Automatismos e cataclismos

Automatismos e cataclismos
“(…) por muito que a tecnologia nos permita evoluir e fazer melhor o nosso trabalho, nunca irá substituir a conexão humana e a criação de uma experiência pessoal para o cliente.”

Lá em casa temos um aspirador que aspira sozinho. Temos dois cães que largam pêlo por todo o lado e este pequeno aspirador veio dar uma grande ajuda nas lides domésticas.

A minha mulher e a minha filha entenderam dar-lhe o nome de Pedro Miguel, vá-se lá saber porquê. Desconfio que acham que eu devia ajudar mais em casa e compensam chamando o aspirador pelo meu nome. É possível programar o robô no telemóvel e ele responde aos pedidos: Pedro Miguel vai aspirar o quarto; Pedro Miguel vai aspirar a sala; e o Pedro Miguel anda para trás e para a frente a fazer o trabalho dele.

A primeira coisa que o aspirador faz é um levantamento da casa, identifica os obstáculos, onde está cada móvel e a localização das paredes. O robô tem uma base de onde sai para aspirar e quando está cansado volta para carregar e avisa quando o filtro está cheio. O Pedro Miguel faz o trabalho todo sozinho e a casa fica impecável.

Tudo corria bem até ao dia em que chegámos a casa e nos deparámos com um cataclismo fecal e nauseabundo. Um dos cães viu-se aflito, possivelmente com um desarranjo intestinal, e deixou uma bosta no meio do chão da sala. Nunca tinha acontecido, mas naquele dia aconteceu. Nessa tarde, o Pedro Miguel, bem ensinado, fez o que estava programado para fazer: chegada a hora de aspirar percorreu diligentemente toda a casa a eliminar pós e pêlos.

O que aconteceu é fácil de imaginar: o Pedro Miguel transformou uma pequena bosta num desastre, espalhando-a por cada tapete, por cada canto da casa.

Esta situação fez-me pensar na tendência de querer substituir os profissionais por máquinas. Diz-se que no futuro os agentes imobiliários, os professores, os médicos, os advogados e uma série de outros profissionais vão ser substituídos por robôs, por Pedros Miguéis. A ideia já não é nova, mas o desenvolvimento da inteligência artificial veio acelerar essa transição.

Não vai resultar: os seres humanos nunca poderão ser substituídos a cem por cento por máquinas. É verdade que as máquinas podem trabalhar 24h por dia e 7 dias por semana, não se aborrecem a fazer tarefas repetitivas, tratam quantidades enormes de dados em pouco tempo e até aprendem a resolver problemas. Mas o que é que acontece quando aparece uma bosta?

 

Em processos tão importantes como a compra e venda de uma casa não podemos ligar o piloto automático ou pôr um programa de inteligência artificial a tratar do assunto. Mais cedo ou mais tarde vai aparecer uma bosta no meio de uma escritura, no meio de um fecho, no meio de uma visita. E se usarmos um Pedro Miguel, sabemos que ele tem a capacidade de agarrar num problema pequenino e transformá-lo num problema enorme.

Usamos a inteligência artificial e a big data para nos tornarmos mais eficientes, para prestarmos melhores serviços e para termos a informação necessária para tomar melhores decisões – mas vamos sempre precisar de profissionais – gente de verdade para conduzir o processo e garantir que os problemas não se transformam em cataclismos. E mais, por muito que a tecnologia nos permita evoluir e fazer melhor o nosso trabalho, nunca irá substituir a conexão humana e a criação de uma experiência pessoal para o cliente.