Perder as folhas

Perder as folhas
“E um dia os nossos pais podem vir a precisar de nós como nós precisámos deles. Pode chegar um momento em que eles ficam ao nosso cuidado, tão vulneráveis como crianças. Será que quando isso acontecer vamos ter uma ínfima parte do carinho que eles tiveram connosco?”

«Sinto-me a perder todas as folhas», diz Anthony.

O Pai é a história de um homem perdido no labirinto da memória, que tenta agarrar os últimos resquícios de lucidez e independência resistindo às tentativas da filha para encontrar quem cuide dele. É um filme triste, que mostra a perspetiva angustiante de quem está a perder as suas faculdades mentais. «Eu já não sei o que está a acontecer. Sabes o que está a acontecer?», pergunta Anthony.

Este filme marcou-me de várias maneiras: por partilhar a vivência de Anthony e pensar que um dia aquele posso ser eu, ou um dos meus pais; por observar a filha, Anne, e admirar a forma como ela lida com a situação.

Acontece chegarmos a um momento na nossa vida em que deixamos de culpar os nossos pais por isto ou por aquilo, e nos apercebemos que, mesmo não sendo perfeitos, eles fizeram o melhor que puderam. Muitas vezes este momento chega quando nos tornamos pais e compreendemos o amor incondicional que existe nesse cuidar. Eles mudaram as nossas fraldas, aturaram as nossas birras, deram-nos colo, sentavam-se à nossa cabeceira quando estávamos doentes só para vigiar o nosso sono.

E um dia os nossos pais podem vir a precisar de nós como nós precisámos deles. Pode chegar um momento em que eles ficam ao nosso cuidado, tão vulneráveis como crianças. Será que quando isso acontecer vamos ter uma ínfima parte do carinho que eles tiveram connosco? Será que vamos ter paciência quando tivermos que repetir a mesma coisa vinte vezes?

Será que vamos conseguir manter a cabeça fria se a demência atacar e eles disserem coisas horríveis e fizerem acusações cruéis? Se eles começarem discussões sem sentido, vamos ser capazes de concordar e deixar ir, ou vamos querer ter razão e tentar argumentar?

Graças a Deus os meus pais têm saúde, à parte da maleitas próprias da idade – têm saúde mental, emocional e física. Eu quero acreditar que vou ter a inteligência emocional para lidar o que aí venha, que vou ter a paciência daquela filha e tratar os meus pais com o carinho e o respeito que eles merecem, ter o amor para cuidar de quem já cuidou de mim quando eu ainda estava a aprender a ser gente.

Vivemos num dos países mais envelhecidos do mundo e à nossa volta há pais a envelhecer silenciosamente sem terem quem cuide deles. Tantas vezes não há tempo, não há paciência, não há dinheiro, e a solução é depositar os velhos num lar onde outros possam cuidar deles, ou mantê-los longe da vista.

Tomar conta de um pai não é a mesma coisa do que tomar conta de um filho: há um desequilíbrio na forma como a sociedade aborda o momento de cuidar de volta. Este filme deixou-me triste e pensativo – foi um alerta, um lembrete de que tenho que me pôr em causa e refletir nas minhas próprias crenças e certezas.