Nos últimos tempos têm-me pedido para falar sobre o que vai acontecer ao mercado imobiliário, à luz da crise actual.
A pandemia está a ter um impacto significativo a nível humano, com perdas no mundo inteiro. É um momento que ainda estamos a viver, em que qualquer previsão tem um grau gigante de imprevisibilidade.
Por isso, não vou falar sobre o futuro, vou falar sobre o passado. Vou falar de dois momentos que fizeram da REMAX Latina a empresa que é hoje, dois momentos difíceis, que nos fizeram crescer, contra todas as expectativas.
Quando eu e o Manuel Alvarez começámos a REMAX em Portugal, em 1999, o país estava numa das maiores crises imobiliárias da sua história.
Como eu não vinha do sector, não tinha a noção do que se passava. E ainda bem! Se soubesse como estavam as coisas, talvez não tivesse entrado no projecto. Era preciso ser um bocado louco para lançar uma imobiliária no meio de tamanha adversidade.
O boom que levou à queda começou em 1986, com a criação do crédito jovem bonificado. A bonificação cobria uma parte considerável das taxas de juro, que estavam altas na altura. A ideia do Governo era responder à necessidade crescente de acesso à habitação. Pouco antes, e no tempo da ditadura, a maioria das pessoas vivia numa casa arrendada e só quem tinha muito dinheiro é que tinha uma casa sua.
O crédito bonificado originou um aumento gigante da procura. Quem se casava, quem saía da casa dos pais, quem tinha o sonho de ter casa própria. Foi assim que, nos anos 80 e 90, assistimos ao nascimento das grandes periferias em Lisboa e no Porto, a linha de Sintra, a margem Sul e Vila Nova de Gaia. Foram os anos da loucura da construção, em que tudo o que se construía estava vendido à partida.
Até que, em 1999, entram em vigor novas regras para o crédito bonificado e, em 2002/2003, o regime foi extinto, pela então Ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite. Estas alterações tiveram um impacto desastroso no sector imobiliário, já que uma grande parte das vendas era feita com crédito bonificado. À data, sobreviveu menos de metade das imobiliárias existentes em Portugal, e muitas construtoras foram à falência.
É neste cenário que é lançada a REMAX em Portugal. É neste cenário que, logo no primeiro ano, a REMAX se torna líder de mercado e, em 3 anos, era a maior operação da Europa. E em 2003 nasce a REMAX Latina.
Como é que uma imobiliária cresce num período de crise?
O sector estava em muito mau estado. Quando eu comprei casa, em 1998, tinha que marcar as reuniões com os imobiliários e o construtor logo pela manhã, porque, depois de almoço, eles já estavam com um copo a mais.
A crise limpou o lixo todo. É o lado bom da borrasca, limpa os maus profissionais. Limpa caminho para os bons profissionais.
A REMAX era um projecto novo, com muitas ideias arrojadas: o exclusivo, o serviço ao cliente, o serviço personalizado. Depois do arranque, a REMAX Latina cresceu de forma exponencial, até 2010.
Quando, em 2008, começou a crise do subprime nos EUA, estávamos distraídos. Houve um colapso financeiro, originado pelo crédito concedido de forma errada, por gente errada a operar no sector.
A crise alcançou rapidamente a Europa. Quando chegou a Portugal, a REMAX Latina, que tinha a maior operação imobiliária da Europa, caiu 50%, de um ano para o outro. Em 2010, tínhamos 3 lojas e facturávamos 4 milhões de euros em comissões. Num ano, caímos para 2 milhões de euros. Com custos fixos enormes. Quase fomos à falência.
Apesar disso, 10 anos depois, em 2019, fechámos o ano a facturar cerca de 15 milhões de euros.
De onde veio este crescimento?
Veio de reinventarmos o negócio. Veio de aproveitar as oportunidades que surgiram com esta crise, como o crescimento exponencial do turismo, a criação dos Vistos Gold, as condições para os residentes não habituais.
10 anos depois, temos 10 lojas em Portugal, às quais somamos a operação no Brasil, com mais de 80 lojas.
10 anos depois, temos uma nova crise, que vem reforçar o padrão cíclico do sistema.
O que é que vai acontecer agora, com tudo o que esta pandemia acarreta? Não sei. Sei que é nas alturas de grande adversidade, de menor concorrência, que quem estiver focado, quem tiver um projecto inovador, pode crescer.
Os aviões levantam voo com o vento contra. Em 2000 e em 2010, todos os players imobiliários navegavam no mesmo mar, no meio da mesma tempestade, na mesma economia. No meio da tormenta, alguns desapareceram, outros ficaram onde estavam e outros cresceram.
O resultado final não vem da adversidade, mas da nossa atitude perante a incerteza. Depende da nossa capacidade de aprender, de fazer ajustes. Posso ter que reestruturar o negócio, usar novas metodologias, arranjar uma forma criativa de vender. Posso ter que reestruturar a minha vida pessoal, ter que me reinventar.
O impacto que a crise actual vai ter na minha vida depende da resposta que eu der. Se vou reagir, culpando a conjuntura. Ou se vou responder, de forma cuidada, com inteligência emocional, pondo-me em causa, reinventando o negócio, aprendendo.
Esta crise também vai passar e os resultados que eu vou ter em 2030, sou eu que decido, hoje.