Quando ainda se podia viajar, eu fiz mais de 4000 km numa semana, atravessando os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Com esta viagem eu queria ganhar percepção do negócio no Brasil, conhecer a terra, conhecer as pessoas, meter a mão na massa.
Todos os dias acordávamos às cinco da manhã e seguíamos caminho. Aprendi rapidamente que quando me diziam que a próxima reunião era já ali, isso significava pelo menos uns 350 km de caminho.
O Gerson, um carioca que é meu sócio no Brasil, ia a conduzir e eu ia ao lado dele. Na conversa sobre uma reunião que íamos ter, o Gerson disse «o cara com quem vamos ter é assim, assado, é muito gente boa». Na reunião seguinte, ele disse a mesma coisa. Quando eu perguntava sobre alguém a resposta era sempre a mesma: «ele é muito gente boa». Mesmo quando havia problemas, ele podia falar do que tinha corrido mal, mas terminava sempre com um «mas ele é muito gente boa».
Depois de dois ou três dias neste registo, estávamos no carro, eu virei-me para ele com um ar sério – um truque que uso quando quero dizer qualquer coisa que acho que é importante para a outra pessoa. Com a minha melhor cara de poker, disse-lhe «Eu tenho uma coisa para te dizer e quero que tu oiças, é muito importante para o teu futuro». Quando eu faço isto normalmente a pessoa acha que vem aí chatice.
Ele olhou para mim com um ar preocupado e perguntou «O que é que foi? Eu fiz alguma coisa errada?». Eu disse «Gerson, nós não vemos o mundo como ele é, vemos o mundo como nós somos. E tu estás aqui há dias a dizer aquele cara é gente boa. Sabes o que isso quer dizer? Que tu és mesmo boa pessoa. Eu não conheço ninguém que veja o mundo como tu vês.».
Ele ficou super embaraçado. Eu nunca conheci ninguém como o Gerson, ele consegue ver o lado bom mesmo em situações em que isso é muito difícil.
Cada pessoa tem uma visão diferente do que é a realidade, condicionada pelas suas experiências pessoais. O Gerson tem uma visão muito mais bonita do mundo que a minha. Todos nós conhecemos alguém que acha que é tudo «gente boa», que os outros estão sempre disponíveis para ajudar e alguém que acha que os outros o querem enganar e que tem sempre alguma coisa negativa a dizer.
Rubem Alves disse «Nós não vemos o que vemos, nós vemos o que somos. Só vêem as belezas do mundo, aqueles que têm belezas dentro de si».
A forma como tu vês o mundo é um reflexo de quem tu és.
Esta foi uma ficha que me caiu há uns anos e que eu nunca mais me esqueci. Eu não vejo o mundo como ele é, eu vejo o mundo como eu sou. Eu reconheço nos outros aquilo que conheço em mim.
Sabendo isto, podes olhar à tua volta e perceber que a maneira como os outros te tratam é um reflexo de quem eles são – não é um reflexo de quem tu és.
Sabendo isto, podes olhar para a forma como estás a tratar os outros, como estás a reagir às situações, e perceber que isso é um reflexo de quem tu és.
Sabendo isto, podemos distinguir o território dos mapas que usamos para nos orientar, podemos separar a realidade dos filtros que usamos para a interpretar. Só o facto de termos esta consciência torna-nos mais tolerantes e capazes de aceitar o próximo como ele é.
A outra boa notícia é que o contrário também se aplica: com tempo, a prática consciente de outras formas de ver e de interagir com o mundo vai-se reflectindo na pessoa que és.