O dia em que pensei que ia morrer

O dia em que pensei que ia morrer
“A decisão que tomei naquele dia tornou-se um momento de viragem na minha vida. Uma experiência angustiante, de doze horas de desalento, ganhou um novo significado, transformou-se num momento em que tive a coragem de fazer o que era preciso ser feito.”

Era o aniversário do meu filho Guilherme, aqui há uns anos, e estávamos em Arruda dos Vinhos, onde íamos ter um almoço de família. Eu estava cheio de febre e de tosse, já ia na segunda toma de antibióticos e não havia maneira de ficar melhor. Numa tentativa de resolver o assunto, nessa manhã decidi ir ao hospital em Vila Franca de Xira, para ver se precisava de trocar de antibiótico ou de tomar outra medicação.

Ia no carro, a caminho do hospital, a tossir, e a fumar cigarro atrás de cigarro. Na altura eu fumava mais de dois maços por dia e só conseguia pensar que ia ter horas à minha frente numa sala de espera – e que não ia poder fumar.

Quando cheguei ao hospital fiz o teste de oxigénio no sangue e um electrocardiograma, deram-me uma pulseira amarela e puseram-me na sala de observação. Eu tinha tomado um Brufen em casa, mas o efeito estava a passar e comecei a sentir a febre a subir.

Sentei-me num canto da sala, um espaço grande, cheio de pessoas em muito mau estado, com tubos de oxigénio e soros a pingar. De vez em quando uma pessoa era chamada e levada para o bloco operatório ou para ser transferida para Lisboa. Parecia um purgatório, um espaço carregado de desânimo de onde só se saía para ir para pior.

Eu tinha frio e sede, mas quando me queixava a resposta era sempre a mesma: que não me podiam dar nada, estava em observação, não podia beber nada, só molhar os lábios. Arranjaram-me um cobertor e eu lá fiquei, a tremer, a delirar. Estive doze horas nisto.

Quando me vi assim, pensei o pior: pensei que estava com um cancro do pulmão. Vinham-me à cabeça as imagens e as frases dos maços de tabaco, pensei «Que estúpido!». Pensei que tinha chegado a minha hora de pagar por nunca ter dado ouvidos aos meus filhos quando me pediam para parar de fumar. Pensei que já não ia sair dali.

 

Quando o médico voltou com o raio-x e me disse que eu tinha uma pneumonia, senti que aquele era o momento da minha salvação, que Deus me estava a dar uma segunda oportunidade. O sentimento de gratidão foi tão grande que eu fiz uma jura a Deus: prometi que nunca mais ia fumar.

Viktor Frankl disse «Quando deixamos de ser capazes de mudar uma situação, somos desafiados a mudar-nos a nós mesmos». Ter conseguido deixar de fumar foi das coisas mais difíceis que eu fiz na minha vida. Já tinha tentado antes, claro, era um tópico recorrente nas minhas resoluções de ano novo, mas nunca tinha conseguido perseverar. Foi a construção que eu fiz na minha cabeça que transformou aquele episódio num momento divino em que me tinha sido dada a possibilidade de continuar a viver.

Acontecem coisas más a toda a gente, momentos em que sentimos que a vida nos puxa o tapete debaixo dos pés, forças externas que nos empurram e que não conseguimos controlar. Mas podemos escolher a forma como reagimos a essas situações.

A decisão que tomei naquele dia tornou-se um momento de viragem na minha vida. Uma experiência angustiante, de doze horas de desalento, ganhou um novo significado, transformou-se num momento em que tive a coragem de fazer o que era preciso ser feito.

Não podemos viajar no tempo para mudar o passado, mas temos em cada momento a possibilidade de mudar o futuro. Quando não conseguimos controlar uma situação, seja uma doença, uma discussão ou uma crise no trabalho, temos que pegar nas únicas rédeas que nos são dadas nesta vida: as nossas. Nós temos o poder de dizer Chega! e, ao bater no fundo, usar o chão para ganhar impulso e vir à superfície.