É impossível ver o filme Avatar sem projetar a existência humana na Terra. É um dos meus filmes preferidos porque é uma tomada de consciência gigante sobre a forma como tratamos o nosso planeta.
Pandora é uma lua que está a ser explorada pelos humanos para extrair um minério precioso do solo. Para chegar à maior jazida deste minério, um supercondutor que vale milhões, os humanos querem destruir o sítio onde vivem os Na’vi, o povo que habita Pandora.
A violência na espécie humana é uma história que se repete em cada continente conquistado, em cada fronteira desenhada, e que piorou desde que o homem se tornou sedentário. Matamo-nos uns aos outros para ter o que nos faz falta desde o início da humanidade, seja terra, ouro, petróleo ou água. As conquistas são escritas a sangue, em massacres e genocídios: os que têm contra os que não têm, os que são contra os que não são.
Esta agressão não é só entre humanos, contamina tudo o que nos rodeia. No seu livro Sapiens: Uma Breve História da Humanidade, Yuval Noah Harari diz que muito antes da Revolução Industrial, o Homo Sapiens detinha o recorde de levar à extinção a maioria das espécies vegetais e animais, tornando o ser humano a espécie mais mortal do planeta Terra.
Ver o Avatar fez-me pensar no sentido de tudo isto, deste sistema em que consumimos e deitamos fora sem olhar às consequências. E fez-me pensar que talvez a pandemia de Covid-19 seja uma reação do planeta, um sinal de alarme para nos pôr em sentido.
Os Na’vi acreditam que são parte de um todo, de uma rede neuronal que liga as pessoas, os animais e as plantas, e que guarda as memórias de todos os seres que habitaram Pandora. Quando um guerreiro cavalga um pa’li ou voa um ikran, há uma ligação física e espiritual – tsaheylu – que permite uma conexão profunda. Cavalgam e voam juntos, dois em um. Eywa, a divindade que tudo abarca, não escolhe lados, mas convoca todos os seres quando a existência comum está em perigo. Na’vi e animais lutam em conjunto para parar a destruição.
Aqui na Terra, longe desta Pandora mítica, não precisamos de um invasor extraterrestre para destruir o nosso planeta. Parece que só reconhecemos a dimensão da nossa ligação à natureza quando as coisas correm mal.
O que é que acontece quando contaminamos o ar que respiramos, a água que bebemos, quando destruímos as florestas, os oceanos? Como dizia um humorista norte-americano: o planeta vai ficar bem, as pessoas é que estão f******. Podemos não ter uma conexão direta aos outros seres vivos, mas somos parte de um todo que precisa de equilíbrio para se manter.
No filme, a certa altura Mo’at, rainha do clã e líder espiritual, disse ao humano Jake Sully que o iam ensinar a viver como os Na’vi, na esperança que a loucura dele fosse curada.
A pandemia pode ser um convite para nos pormos em causa, para olharmos para dentro e repensarmos a forma como vivemos, como nos alimentamos, como consumimos. Este vírus, com tudo de mau que nos trouxe, é uma oportunidade para curarmos a nossa loucura, para desacelerarmos, para refletirmos no que andamos a fazer com as nossas vidas e com o nosso planeta.