Há um mito de que os vendedores são todos extrovertidos, na concepção popular de pessoas faladoras e sociáveis. Diz-se que para lidar com os clientes, e com o constante rebuliço que é o mundo das vendas, é preciso ser expansivo e comunicativo por natureza.
É um engano. Eu trabalho em vendas desde sempre e aparentemente sou uma pessoa mais extrovertida, mas a verdade é que se estiver numa festa prefiro ficar a observar. Custa-me falar em público.
A primeira vez que tive que subir a um palco para falar, as minhas mãos tremiam e a minha garganta ficou super seca. Resolvi tomar um beta-bloqueante para acalmar o galope do meu coração. A primeira vez que tomei o comprimido, estava com medo que me deixasse mais lento, mas quando chegou a hora de falar eu estava calmo e concentrado. Correu tão bem que passei a tomar um comprimido sempre que tinha que falar para grandes multidões.
Isso aconteceu até ao dia em que me esqueci dos comprimidos. Estava num avião, ia dar uma palestra para 700 pessoas em Itália, e tive que respirar fundo quando me apercebi do meu lapso. Rezei. Nesse dia, quando entrei no palco, dei por mim a falar sem qualquer nervosismo e nunca mais tomei os comprimidos.
Foi a trabalhar com bons vendedores, grandes comunicadores, que me apercebi que eles tinham uma qualidade que ia ser importante para a pessoa que eu queria ser.
Ao longo dos anos aprendi a desinibir-me, a gostar de estar mais com as pessoas, a perder o stress sempre que subia a um palco. Numa formação para vendedores, uma agente dizia que era tímida, e que a forma como tinha ultrapassado essa limitação foi imaginando, quando batia a uma porta, que ela era uma actriz e que aquele era o seu papel, e assim distanciar-se da sua timidez.
Para quem isto não é natural, como eu, é preciso treinar, ganhar músculo. E é possível ganhá-lo.
Um certo acanhamento e embaraço no contacto com o outro podem ser características muito vantajosas no mundo das vendas: uma pessoa que fala menos ouve mais, respeita o silêncio; uma pessoa mais contida pode ter maior consciência do espaço do outro. A ponderação pode ser uma vantagem, em comparação com a espontaneidade. E quando os clientes são mais introvertidos, uma abordagem mais serena pode ter melhores resultados.
Quaisquer que sejam as qualidades que te são inatas, de introversão ou extroversão, para seres um grande comunicador tens que trabalhar o seu oposto. Se és mais expansivo tens que treinar o silêncio, aprender a fazer perguntas, a desacelerar. Se és mais acanhado tens que aprender a interagir mantendo a energia em alta.
Assim, vais poder relacionar-te com quem quer que apareça à tua frente, seja alguém mais tímido ou mais comunicativo, seja alguém que está a ter um bom dia ou o pior dia da sua vida.
