Ângulos mortos

Ângulos mortos
“Eu acredito que é possível chegar a grande parte dos pontos B que definimos na vida. Não chegamos lá sempre, não se consegue tudo na vida, mas muitos são possíveis com uma estratégia, com resiliência, com persistência, com determinação – conseguimos chegar lá com um bom plano.”

Todos temos desejos: algo que queremos alcançar, alguém em quem nos queremos transformar. Todos caminhamos para chegar a algum lado. Há quem queira ir ao Porto e há quem queira ir à Lua, e há pessoas para quem atravessar a rua é o maior desafio.

Qualquer que seja o nosso objetivo, para o concretizar temos que investir tempo a definir bem o que queremos e como o vamos obter. No coaching, muitas sessões são passadas a estabelecer o ponto B, a meta de chegada, a desenhar o caminho a percorrer e a tentar prever os obstáculos que vão aparecer.

Há muitas coisas que podem falhar quando estamos a ir do ponto A para o ponto B: o carro pode avariar, pode rebentar uma tempestade, o GPS pode deixar de funcionar ou podemos perceber que afinal não era para ali que queríamos ir.

Mas neste percurso há um erro que se sobrepõe a todos os outros. Quando estamos a trabalhar para chegar a um objetivo, o maior obstáculo é não termos consciência clara do nosso ponto de partida. Quando estamos a planear ir de A para B, o erro mais grosseiro que podemos fazer é não saber qual é o nosso ponto A.

Numa viagem de Lisboa ao Porto, podemos escolher se vamos de carro, de avião ou de comboio. Se vamos de carro, traçamos um trajeto pela A1 Lisboa-Porto, estimamos o tempo de viagem, vemos quanto custam as portagens, onde vamos parar para reabastecer. Podemos convidar alguém para ir connosco. Fazemos um plano com princípio, meio e fim.

Só que às vezes não estamos em Lisboa, às vezes estamos em Faro, ou em Évora – e não sabemos. Nós temos uma capacidade gigante de nos iludir, de mentirmos a nós próprios e aos outros sobre o nosso ponto A, sobre o sítio onde estamos num dado momento da nossa vida.

Temos a tendência para acreditar que sabemos mais do que sabemos, para sobrestimar as nossas capacidades e competências. Alguém diz que já fez formação nisto e naquilo, mas na realidade não aprendeu nada, tinha a chávena cheia Esvazia a tua chávena. Alguém diz que é muito disciplinado e que acorda cedo, mas acaba por sair da cama tarde na maior parte dos dias. Alguém decide fazer uma dieta e depois diz uma e outra vez «hoje não conta». Alguém diz ser uma pessoa de pessoas, e depois trata mal o rececionista ou a empregada do restaurante. Alguém diz que é muito humilde mas na verdade acha-se superior e está sempre a julgar os outros.

 

 

Todos temos ângulos mortos em que não somos sequer capazes de perceber que não conseguimos ver. Nós somos seres de luz e de sombra e é mais fácil ver o que está iluminado. A nossa sombra guarda tudo o que nos envergonha, e por isso temos a tendência de não querer explorar muito os seus confins. Mas as mentiras que repetimos a nós próprios são dos maiores impedimentos para chegar ao ponto B.

Para chegares ao ponto B, o segredo está em teres consciência de qual é o teu ponto A, de onde é que estás a partir. Uma maneira de ir revelando os nossos ângulos mortos, e de perceber com o que é que contamos, é seguir as palavras de Carl Jung: tudo o que nos irrita nos outros pode levar-nos a uma melhor compreensão de nós mesmos.

Eu acredito que é possível chegar a grande parte dos pontos B que definimos na vida. Não chegamos lá sempre, não se consegue tudo na vida, mas muitos são possíveis com uma estratégia, com resiliência, com persistência, com determinação – conseguimos chegar lá com um bom plano.

Mas para chegarmos aonde queremos temos que saber com o que é que contamos, quais são os recursos que temos disponíveis à partida. Quando nos pomos a caminho com 20 anos temos recursos diferentes do que se partirmos com 40 anos. Se somos impacientes temos que encontrar estratégias diferentes do que se formos mais serenos. Para chegarmos ao ponto B é vital sabermos de onde partimos, e assim podermos traçar um caminho consciente para lá chegar