A última viagem ao Brasil foi das mais intensas que já fiz. Talvez para compensar tanto tempo sem poder visitar os colegas brasileiros, desta vez fiz muitos quilómetros, percorrendo o Rio de Janeiro e São Paulo, fiquei todos os dias num hotel diferente e falei para várias plateias de cem, duzentas pessoas.
No último dia, na última intervenção agendada, colapsei. Tinha à minha espera mais de cem pessoas e não consegui falar.
Nesse dia tinha falado a um grupo durante a manhã e no pouco tempo que tinha antes de entrar em palco, fui comer qualquer coisa. Quando voltei, comecei a sentir-me mal. Não sei se foi do calor, do ar condicionado, da Coca-Cola gelada que tinha bebido, o certo é que tive uma paragem de digestão, fiquei com suores frios, vómitos, e estive quase a desmaiar. Quem me salvou foi a Silvana, minha sócia no Brasil, que fez o que era preciso ser feito nas horas que demorei a recuperar.
Já no regresso a Portugal, fiquei a pensar naquele momento. Porque é que só damos importância a algumas coisas quando elas nos falham?
É só quando ficamos com o nariz entupido que damos valor a uma noite em que conseguimos respirar livremente. É no momento em que a dor de cabeça acaba que nos sentimos gratos por ter passado o tormento.
Muitas vezes precisamos de lembretes para darmos valor às coisas pequeninas. Andamos tão ocupados no nosso dia-a-dia que não paramos para reparar nas coisas que damos por garantidas; mas mais cedo ou mais tarde, a vida encarrega-se de nos recordar o que é realmente importante.
Talvez a próxima vez que estiver em frente a uma audiência me sinta grato por ter a vitalidade necessária para passar a minha mensagem. Talvez não seja preciso ficarmos doentes para darmos importância à nossa saúde.
Já falei aqui sobre a gratidão, mas não é preciso um jantar de celebração dos meus cinquenta anos com os amigos e família para me sentir grato. Posso sentir-me grato por acordar com saúde e energia, pela água quente no duche, pelo pequeno-almoço que alguém me preparou.
Quando passamos mais tempo a apreciar as pequenas coisas, começamos a reparar mais nelas, treinamos a nossa atenção para olhar para o copo meio cheio. Com tempo, até podemos começar a reparar nas coisas boas que as coisas menos boas nos trazem: momentos que nos obrigam a crescer, situações que nos fazem prestar atenção ao que é importante – como ter uma paragem de digestão antes de entrar em palco.
Se olhares à tua volta neste preciso momento, aposto que consegues encontrar duas ou três coisas – ou cem, cuja falta sentirias se não existissem. Estar grato é prestar atenção, é reconhecer o valor das coisas. A gratidão é como o sorriso, não custa nada e tem um efeito físico de bem-estar que é contagiante.
Assim, quando me recordar desta viagem ao Brasil, não vou pensar na correria desgastante, nem na paragem de digestão – vou lembrar-me que no momento mais difícil houve gente que cuidou de mim, vou lembrar-me das pessoas incríveis que conheci e da maneira maravilhosa como fui recebido.