Medo do escuro

Medo do escuro
“Enfrentar os nossos medos é o que nos faz crescer. A nossa zona de conforto alarga-se quando somos capazes de viver tranquilamente no desconforto, quando somos capazes de enfrentar os medos e os demónios que temos na nossa cabeça. Ganhamos músculo.”

A primeira noite na selva é especial. O barulho é ensurdecedor, como numa discoteca onde temos que gritar para nos fazer ouvir, mas em vez de música somos atingidos pelo barulho do rio, da chuva tropical a cair no tapume, dos grilos, dos pássaros, dos macacos. As redes que nos protegem dos mosquitos não afastam a escuridão da selva densa à nossa volta.

O sonho de ir à Amazónia era antigo. Eu e a Maria João arrancámos de Lisboa para Paris, de Paris para Lima, dormimos em Lima e apanhámos na manhã seguinte um voo para Pucallpa, fizemos cinco horas de jipe, depois seguimos de barco, numa viagem rumo ao coração da selva.

Eu nunca tinha acampado na vida – gosto de ir para um bom hotel, com paredes, água quente e pequeno almoço, mas aquela viagem ia pôr-me à prova. Ali, a minha casa de banho era um buraco no chão onde não me atrevia a ir depois do sol se pôr. O rio era a nossa banheira e as plantas eram o nosso sabonete e desodorizante, a comida era simples e vegetariana – iam ser dez dias de detox físico. Sem eletricidade, sem rede e sem internet, íamos fazer também um detox digital. Pela primeira ia ficar dez dias sem telefonemas, sem mensagens, sem instagram, sem whatsapp, sem nada que me distraísse do que estava à minha frente.

Dormíamos sozinhos, cada um no seu tambu, uma construção alta de madeira coberta com uma rede numa clareira rodeada de selva. Não havia paredes para nos proteger dos jaguares, das cobras, dos javalis. Durante a nossa estadia, por duas vezes a Maria João veio ter comigo durante a noite, sobressaltada. Na primeira vez assustou-se com um barulho que no dia seguinte descobrimos ter sido uma árvore a cair em cima de um tambu ali perto, sem ter feito grandes danos. Na segunda vez, tinha um bicho grande à volta do tambu dela, conseguia ouvi-lo e ver-lhe os olhos, e saiu dali mal o animal se afastou.

Eu adapto-me rapidamente – a partir da segunda noite deixei de ouvir a selva e consegui dormir, mas na primeira noite… Cada barulho, cada rabanada de vento, cada movimento me punha em alerta.

A primeira noite na selva é o encontro com os nossos medos. À noite não há nada para nos distrair do barulho e da escuridão, a única luz vem de uma vela que espalha sombras que se movimentam com o vento e que tornam tudo mais assustador.

E ali os medos são mais reais do que no meio da civilização. Antes de calçar os sapatos tinha que verificar se havia tarântulas ou escorpiões, o perímetro do sítio onde estávamos era patrulhado por homens com espingardas e mochilas carregadas de antídotos contra os venenos de várias cobras. Ali não havia maneira de ligar para o 112 e pedir ajuda.

O facto de estar sozinho durante a noite, de estar num cenário que era estranho e ameaçador, foi super desafiante. Tive que conseguir respirar fundo e conquistar os meus medos, e isso tornou a experiência altamente recompensadora.

Enfrentar os nossos medos é o que nos faz crescer. A nossa zona de conforto alarga-se quando somos capazes de viver tranquilamente no desconforto, quando somos capazes de enfrentar os medos e os demónios que temos na nossa cabeça. Ganhamos músculo.

E quando a vida nos põe à prova – e ela vai-nos pôr à prova mais cedo ou mais tarde, seja um problema de saúde nosso ou de alguém que amamos, um problema no trabalho, um desafio mundial como a Covid-19, ou seja pelo facto de envelhecermos – se tivermos o músculo trabalhado vamos lidar com os nossos medos de outra forma.

Se trabalhas por conta própria sabes do que estou a falar. Provavelmente saíste da zona de conforto de ter um salário ao fim do mês para ir à aventura como empresário. Nós temos medo de arriscar, medo de falhar, medo de não sermos suficientes.

A vida é feita disto e a forma como lidamos com os nossos medos faz toda a diferença.

Eu fui para a selva fazer um detox e ganhei músculo emocional. As poucas pessoas a quem falei da viagem disseram que eu era louco, que era uma irresponsabilidade. Mas apesar dos medos, respirei fundo e segui em frente.

Além disso, estar no meio da natureza foi uma experiência de conexão profunda com o planeta. A Amazónia é um sonho, a vegetação, as cores, os sons, os cheiros, a terra – há uma ligação direta com o nosso planeta, com a nossa casa. No final, não foi só um detox digital e físico, foi também um detox emocional.